top of page

Tiros da mídia em Porto Príncipe (Haiti): um pedaço da África e das Américas desrespeitado

Por Sebastien Kiwonghi

 

A luta pela liderança observada na distribuição de ajuda humanitária e a auto-afirmação das Organizações Não Governamentais (ONG’s) têm ocupado as manchetes dos jornais do mundo. A mídia faz questão de mostrar a prepotência americana, querendo assumir tudo, dando a impressão de uma ocupação militarmente planejada. Do outro lado, deve-se reconhecer que sem todo o aparato militar americano a situação catastrófica seria mais caótica do que se imagina. Trata-se de uma demonstração de forças e de equipamentos sofisticados para enfrentar os problemas urgentes em solo haitiano, inclusive, o aumento do banditismo e a reorganização das milícias já desmanteladas pelas forças da ONU no país. É um trabalho que exige meios fortes de dissuasão. Alguns Estados se destacaram com discursos duros contra o imperialismo, mas concretamente nada de ajuda ou pouca ajuda pelo tamanho da “boca” e da falácia. Onde estão os Estados revolucionários das Américas? Onde estão os princípios sagrados da solidariedade, fraternidade e comunidades latinas americanas? Ouviram-se os ataques aos supermercados e aos EUA, mas nenhum gesto de compaixão para com o povo haitiano, salvo o nosso Brasil com a sua generosidade legendária. Alguém viu em Porto Príncipe soldados e polícias do socialismo do século XXI? É hora de mostrar a solidariedade das comunidades das Américas.

A natureza dizimou milhares de vidas. Um jornalista chegou a dizer: “o terremoto varreu tudo o que sobrou do país.” Na realidade, apesar das cenas tristes e dramáticas e traumatizantes, o povo haitiano, salvo a tendência da mídia negativista, tem mostrado bravura, coragem e firmeza, pois, mesmo chorando os mortos, vê-se o mesmo rezando, cantando no meio dos escombros, cheio de esperança para reconstruir a cidade devastada e as igrejas. É também no meio da destruição que a Cruz de Cristo continuou erguida para fazer renascer a esperança. 
Materialmente, pode-se dizer que a capital Porto príncipe está completamente destruída, mas nada abalou a esperança da população haitiana. O momento não é de conceder vistos aos haitianos em idade de reconstruir seu país destruído. O terremoto não pode servir de motivos para os haitianos saírem país na busca de hipotética vida melhor. Tal atitude ocasionaria fuga de cérebros e de forças vivas e produtivas. Quem vai, então, reconstruir o país? Só os próprios haitianos que devem se empenhar depois que a situação se normalizar com a ajuda dos outros Estados e das organizações internacionais. Por isso, qualquer incentivo a asilo para haitianos não seria ideal no momento em que o país precisa de todas as forças vivas, salvo a adoção de crianças órfãs. Pode-se conceder como os EUA acabaram de fazer, vistos aos haitianos em situação irregular em determinados países para que eles consigam trabalhar normalmente onde eles estiverem a fim de ajudar seus familiares sobreviventes do terremoto. Temos a certeza de que o sol da esperança brilhará sobre os haitianos e as roseiras voltarão a florir e a perfumar a cidade do Porto Príncipe.

Nessas horas difíceis, dolorosos, os haitianos têm dado ao mundo uma lição de esperança, mas a mídia estrangeira, tendenciosamente, procura mostrar imagens de “grupinhos” de jovens haitianos brigando pelos bens saqueados ou aguardando distribuição de comida numa fila desordenada, enquanto a maioria da população está instalada em diferentes campos recebendo ajuda sem cenas de violência. Repudiamos tais reportagens com adjetivos e superlativos negativistas, desrespeitosas, racistas e discriminatórias para denegrir a imagem dos Afro-descendentes, rotulando-os perante a comunidade internacional como “brigões’, bárbaros, selvagens, etc.

O Haiti não é qualquer país independente para os negros, pois, segundo um jornalista congolês, em dois séculos, este país das Antilhas, inscreveu como numa pedra em sua Constituição a causa do povo negro: “todo africano é livre de se instalar em solo haitiano.” Em nome deste credo que durante as independências africanas, o Haiti cedeu alguns de seus intelectuais para auxiliar Estados “jovens” africanos, recentemente independentes. Deve-se buscar a riqueza da cultura do povo ao invés de veicular apenas imagens de “afro-pessimistas”, de “afro-não civilizados” que disputam comidas, de “afro-violentos” como a mídia estrangeira sabe bem explorar tudo que é negativo e que se refere aos negros.

Houve tsunami na Ásia e o povo de lá sofreu muito também, mas como aqueles lugares afetados serviam de paraísos para os turistas europeus, as imagens divulgadas eram bem dosadas. Raríssimas vezes vimos imagens dos corpos dos europeus boiando nas praias ou amontoados. Também nas guerras dos Bálcãs, as imagens dos europeus famintos, aglomerados nas fronteiras da Macedônia, impedidos pelas tropas da OTAN para refugiar-se na Europa ocidental, foram bem escolhidas para não chocar as “nações civilizadas”e a opinião européia que não podia imaginar que tais cenas aconteciam em seu quintal. Aquele desespero do povo fugindo as atrocidades dos sérvios e bósnios contrastavam com as imagens do genocídio de Ruanda e outras oriundas de alguns conflitos na África, na Etiópia, por exemplo, exibidas com crueldade jornalística. A barbárie estava no coração da Europa, mas a mídia mostrava o que queria, com censura nas escavações que serviriam mais tarde de provas de crimes contra a humanidade e crimes de guerra perante a Corte Penal Internacional.

No Haiti, os jornalistas apresentam o povo haitiano sem dignidade humana, começando pela apresentação do próprio país: “E um dos países mais pobres do mundo”, “o país mais pobre da América”. Quanto ao presidente daquele país, na reportagem global de quinta-feira (14/01) à noite, a jornalista instigando os jovens a falar mal de seu país, disse: “os haitianos não sabem onde anda o seu presidente”, “presidente Preval é muito fraco”, “melhor tirar a bandeira que tremula ainda, substituindo-a pela bandeira americana.” Quem disse isso quando a Europa foi destruída na segunda guerra mundial? Que pobreza de espírito jornalístico?

Como se pode observar são reportagens cheias de covardia, tendenciosas e antiéticas. Nenhum povo se vende por um pedacinho de pão apesar da gravidade dos fatos. Contrariamente aos jornalistas, o terremoto não varreu tudo o que sobrou do Haiti, pois ainda o povo haitiano preserva preciosamente sua dignidade como valor incomensurável quaisquer que sejam as manobras politiqueiras das grandes potências querendo confirmar e reafirmar sua liderança em detrimento da soberania do Estado haitiano, procurando adular o Presidente Preval ultrapassado pela destruição da capital. Não se pode olvidar que a Europa nunca perdoou o Haiti por ter derrotado e humilhado sistematicamente as tropas francesas, conquistando sua independência. Essa façanha da libertação do jugo colonial lhe valeu um embargo secular.

Sejamos solidários para com o povo haitiano e admiremos sua bravura, fé e esperança em dias melhores, pois no olhar daqueles sobreviventes temos a certeza de que um outro mundo é possível e realizável para acabar com a pobreza extrema, a miséria fabricada pelas políticas neo-colonialistas e capitalistas selvagens baseadas na exploração dos recursos naturais dos países pobres e da mão de obra barata. Com o drama haitiano abre-se um novo tempo de eterna solidariedade e justiça, sem cobiça das riquezas, mas de partilha e respeito das independências políticas e soberanias nacionais. O Haiti em choros é um pedaço da Mãe África e das Américas arrancado pela natureza, mas pisoteado e profanado pela mídia sensacionalista e sem deontologia. Sendo a esperança a última que morre, virá, então, um novo dia, um novo céu, uma nova terra, um novo mar, uma nova ilha para os haitianos cujas vozes cantarão a liberdade e a prosperidade de um povo erguido, digno e soberano.

bottom of page