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A eleição do François Hollande tem provocado várias reações da parte dos dirigentes africanos

 

Por Sebastien Kiwonghi

 

A visão que se tem, hoje, da África é a de um continente atrasado econômica e tecnologicamente cujas riquezas são, sistematicamente, exploradas pelas potências ocidentais por intermédio de multinacionais em nome da globalização. Passa-se sempre a imagem de uma África rica em recursos naturais, porém, pobre no limiar do século XXI com suas heranças malditas oriundas das relações “incestuosas” com os colonizadores, marcadas por revoltas, escravidão, derramamento de sangue, mortes e pilhagens. 

O que os africanos esperam da França atual com a eleição de um socialista no poder? Há 31 anos os africanos tiveram a oportunidade de viver as relações França-África com François Mitterand. Agora vem um outro “François” dos Franceses, fazendo desses, “hollandeses”. É a França de François Hollande para uma África dos “François” do Partido Socialista. 

A eleição do François Hollande tem provocado várias reações da parte dos dirigentes africanos, considerando os anos da política “FrançAfrique” baseada na exploração dos recursos naturais e geopolíticos dos países francófonos. Os proveitos foram imensos para a França, não obstante os meios utilizados para dividir o bolo africano: corrupção, assassinatos, manipulações, fraudes eleitorais e guerras. Trata-se de escândalo abafado em nome da cooperação entre os Estados.

Durante a guerra fria, a África conheceu a influência dos dois blocos e tornou-se palco de conflitos bipolares. Alguns países africanos caíram no bloco capitalista, para defender os interesses dos Estados Unidos da América, da França, Itália e Grã Bretanha enquanto outros eram bajulados pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) na Era da implantação do comunismo e socialismo. Em meados dos anos 70, tal posicionamento da África gerou inúmeros conflitos e graves confrontações entre Leste e Oeste por Estados interpostos, alguns capitalistas e outros comunistas ou leninistas marxistas ou socialistas. A partir daí, muitos países começaram a entrar em colapso econômico, por comprometer todos os seus recursos financeiros com o financiamento dos conflitos armados, sem contar com a corrupção da maioria de seus dirigentes e a implantação de políticas de reajustes estruturais mal sucedidos impostos pelas instituições financeiras internacionais, tais quais, o Fundo Monetário internacional (FMI) e o Banco Mundial.

Com o fim da guerra fria, muitos internacionalistas apostaram no advento de uma nova ordem mundial baseada nos princípios pacíficos e democráticos, no estrito respeito da soberania, do princípio da não intervenção e do não uso da força. O que se viu depois foi o aumento dos conflitos armados em vários lugares do mundo e, de modo especial, na África, deixando a ONU numa situação de impotência. Em meio a esta fragilidade dos países desenhados e divididos “artificialmente” pelos colonizadores, ocorre o desrespeito “aos nobres ideais que guiaram os Fundadores da Organização continental e gerações de Pan-Africanistas na sua determinação de promover a unidade, a solidariedade e a coesão, assim como promover a cooperação entre os povos e entre os Estados da África” (Preâmbulo do Ato Constitutivo da União Africana - grifo nosso-) e aos princípios da Carta da Organização da Unidade Africana (OUA) que, em seu art. 3º reafirma o princípio da intangibilidade das fronteiras, ou seja, o princípio da integridade territorial. 

Diga-se, de passagem, que a OUA foi substituída pela União Africana (UA). Quais são, então, os Princípios norteadores do Ato Constitutivo da União Africana assinado em Togo por 53 chefes de Estado e de governo?

Em alguns países africanos manifesta-se o poder soberano absoluto evocado por Bodin pela transposição do poder ancestral dos chefes tradicionais para a organização dos Estados modernos sem levar em conta a existência constitucional dos poderes legislativo e judiciário. Nota-se uma concentração dos poderes na única figura do Presidente da República e que, conforme o bom humor, se outorga o privilégio de emendar a Constituição para manter-se no poder. Agindo desse modo, coloca-se em xeque a sucessão presidencial e as próprias eleições que não são mais livres, democráticas e transparentes. Arquiteta-se uma dinastia hereditária na roupagem de democracia.  

Repara-se que a crise de democracia na África é fruto da herança colonial que modelou as sociedades modernas africanas oriundas do processo das lutas da autodeterminação dos povos em feudos dos intelectuais formados no Ocidente. Estes fizeram dos Estados africanos independentes, em tese, a continuidade do poder tradicional alicerçada na nomeação nos lugares estratégicos do país de pessoas da mesma tribo ou do mesmo clã, consolidando-se, desta forma, o poder. Tal concepção do poder vai de simples porteiros das embaixadas aos altos funcionários estatais, sem falar das forças armadas cujos generais são nomeados conforme a pertença à etnia do chefe supremo das mesmas. 

Ciente dessa concepção do poder, a França fez da África, por intermédio de seus dirigentes ditadores, um espaço protegido e privilegiado para a defesa de seus interesses e de relações nebulosas, para não dizer, mafiosas na impunidade total.

Espera-se que a eleição do François Hollande possa ajudar os novos dirigentes Franceses a repensar as relações geopolíticas e geoestratégicas entre a França e os Estados africanos, visando a fortalecer uma parceria alicerçada nos valores republicanos.

Torna-se imperioso ressaltar a necessidade de os Estados africanos seguirem o exemplo da França na composição do novo governo no estrito respeito do princípio da paridade e da questão do gênero, tendo em vista a nomeação de 17 mulheres e 17 homens no governo de Jean-Marc Ayrault. Algo positivo em um mundo dominado pelo machismo. É uma lição de democracia, de civilidade e de reconhecimento de competência para os Estados onde as mulheres são marginalizadas, violentadas, desprezadas e discriminadas. 

Vale a pena lembrar a extinção do ministério de cooperação internacional, verdadeiro duto de redes políticas, de oficinas mafiosas e empresas fantasmas e a criação do ministério do desenvolvimento, pilotado pelo jovem deputado europeu Pascal Canfin, do partido Europa Ecologia – os Verdes- (EELV) o qual pretende reformular as relações França – África, privilegiando mais as relações com a Sociedade Civil africana e o desenvolvimento sustentável. É o que ocorre no mundo anglo-saxão que trabalha mais com a sociedade civil organizada do que com os dirigentes corruptos que acentuaram a pobreza e a miséria de suas populações. Pode ser a abertura de uma nova era para a democracia e a boa governança africanas no respeito aos direitos humanos e no combate à corrupção.

Sem dúvida, haverá reformas nas relações França – África, mas exige-se a prudência quanto às boas intenções do presidente François Hollande e sua equipe ministerial, uma vez que foi eleito pelos franceses e deve defender em primeiro lugar os interesses da França na África onde são instaladas as grandes empresas Francesas como a Total na exploração do petróleo. As relações entre Estados africanos e a França são complexas e nebulosas. E o Presidente eleito quando saberá disso, as boas intenções poderão desaparecer para ceder lugar ao realismo político (realpolitik) que sempre conduziu as relações de cooperação internacional entre Estados na prevalência de seus interesses em detrimento da luta contra a pobreza. Wait and see, diriam os ingleses e como canta Brandon Healt.

Relações França e África à luz da eleição do Presidente François Hollande

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