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Por Sebastien Kiwonghi

 

As manifestações no mundo árabe trouxeram à tona a discussão sobre a soberania e a democracia, dois conceitos fundamentais na aplicabilidade da “realpolitik” em um mundo em transformação do ponto de vista geopolítico e geoestratégico. 

Considerando os últimos acontecimentos tanto na Líbia (com a recusa do Kadhafi em deixar o poder) como na Costa de Marfim com a detenção humilhante do ex-presidente Laurent Gbagbo, seus colaboradores e familiares escondidos num “bunker” (búnquer) em Abidjan, pode-se observar que a democracia na África é uma questão polêmica e desafiadora, sobretudo quando se trata de aceitar decisões oriundas das urnas. Os presidentes e candidatos à própria sucessão vencidos nas eleições se recusam, na maioria das vezes, a deixar o poder e a reconhecer a derrota.

Alguns conseguem criar combinações esdrúxulas para se manter no poder e obrigar o vencedor a se tornar primeiro ministro de um governo de transição para preservar a paz social. Foram os casos do Quênia e do Zimbábue em que os candidatos da oposição vencedores das eleições presidenciais se tornaram primeiros ministros para acabar com a crise social e política provocada pelos vencidos. Nota-se uma tendência de contestar os resultados, não admitindo a vitória dos adversários políticos. Foi também o caso do Laurent Gbagbo da Costa de Marfim preso em 11 de abril de 2011. 

Tal atitude antidemocrática tem desencadeado, em vários países, ondas de violências para defender a democracia. Observa-se, na prática, que os partidários não defendem o Estado em perigo, mas um indivíduo que tem medo de perder o poder pelo qual, há décadas, levou o povo ao estado de mendicância perpétua e de pobreza crítica ou extrema. 

O que mais chama atenção neste caso é a maneira pela qual se procura resolver um problema sério sem a participação efetiva do povo. Tal atitude atropela as regras institucionais e jurídicas mais elementares, rasgando-se os princípios constitucionais para saciar os apetites de uma minoria sedenta do poder. Não se pode beber no manancial do poder eternamente, pisoteando os direitos fundamentais dos povos de escolher dirigentes capazes de cuidar do social. São inadmissíveis os costumes que alguns presidentes africanos têm criado ao promover mudanças intempestivas e inoportunas na Constituição de seus países para se manter no poder. Não se pode contemplar o absurdo de braços cruzados. 

É nessas circunstâncias que se deve entender a ingerência ocidental nos assuntos internos de alguns países africanos como na Líbia e na Costa de Marfim. Nenhum ditador, em sã consciência, deixaria o poder, reconhecendo sua derrota. Esgotando-se todas as medidas de solução pacifica de controvérsias, resta apenas o uso da força para libertar as populações dos presidentes “loucos” e aprendizes feiticeiros que não aceitam o jogo democrático de alternância no poder.

Totalmente cegos, os mesmos acabam morrendo de overdose de sua intransigência por não deixar o cargo. Infelizmente, razão assiste em dizer que, na África e no Oriente Médio com as monarquias defasadas, o poder dá asas aos dirigentes e tira o cérebro como a droga no meio da juventude. O maior constrangimento moral que se pode impor aos dirigentes africanos ditadores que boicotam os resultados das urnas é prendê-los para serem julgados por um júri popular pelos crimes cometidos. 

Importante ressaltar, nesse caso, que a intervenção estrangeira torna-se aceitável na medida em que, uma vez autorizada pela ONU mediante uma resolução do Conselho de Segurança, visa a proteger os civis por razões humanitárias e instaurar a paz social e a segurança internacionais.

Ingerência estrangeira e crise da democracia: casos da Líbia e Costa de Marfim

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