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Esqueceram de nós com fome e pobreza: uma reflexão sobre o papel da FAO

Por Sebastien Kiwonghi

 

Não se tratar de uma notícia sensacionalista que provocaria discussões acaloradas e apaixonadas, mas é questão de convidar as boas consciências e a própria humanidade à uma profunda reflexão e a ter um olhar sobre a maneira desprezível das grandes potências com a qual boicotaram a Cúpula da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), privilegiando suas agendas particulares. A mídia não se preocupou em informar tanto os leitores como os telespectadores sobre a importância e desafios da reunião da FAO em Roma (de 16 a 18 de novembro de 2009) sobre a fome no mundo. É primordial destacar este problema com mais acuidade por ser uma urgência e, ao mesmo tempo, uma obrigação das grandes potências que, na última Cúpula em 2008, prometeram mobilizar os fundos necessários para combater e erradicar a fome e a pobreza extrema de um bilhão de pessoas no mundo.

Na segunda-feira, 16, começou em Roma a reunião da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Notou-se, em primeiro lugar, a ausência das grandes potências que se comprometeram ajudar os Estados pobres, mas que, durante a crise econômica mundial, se mostraram tão benevolentes e magnânimos em socorrer os bancos em detrimento de vidas humanas que vivem com menos de um dólar por dia. Tal hipocrisia se concretizou na reunião de Roma pela ausência dos Estados mais ricos, exceto o anfitrião, a Itália. Enquanto eram esperados em Roma, os dois grandes pesos pesados da economia mundial, a China e os Estados Unidos, apesar de suas divergências em alguns setores, se reuniram em Pequim para iniciar a consolidação da parceria para administrar o mundo na qualidade de co-proprietários que têm interesses comuns, mesmo divergentes, em clima de igualdade, respeito e não ingerência nos assuntos internos de cada um. Trata-se de um casamento da razão, de dois parceiros e concorrentes.

Se entre os dois pesos pesados há divergências substanciais no que tange aos dossiês sobre os direitos humanos, a usina nuclear do Irã e a Conferência de Copenhague sobre o clima, em Roma, pelo contrário, há unanimidade entre participantes para combater e erradicar a fome no mundo. Ultimamente, com a crise econômica mundial, tem-se constatado um avanço significativo da fome no continente africano e outros cantos do mundo. O número preocupa. Com um terço daquilo que as grandes potências gastaram para salvar bancos e outras instituições financeiras, daria para alimentar a quase totalidade de pessoas que vivem abaixo da pobreza. É falta de vontade política dos países desenvolvidos para mudar as coisas. Yes, they can change our World, mas na hora de colocar em prática as medidas tomadas em favor de países pobres, as grandes potências boicotam a reunião de Roma, esvaziando-a do seu principal objetivo. Para despertar mais atenção e quebrar a indiferença dos Estados mais desenvolvidos, o Secretário-Geral da ONU, Ban-ki-Moon fez um jejum simbólico durante 24 horas.

A Conferência da FAO procura abordar a questão de boa governança, dos investidores acentuados e adotar uma estratégia proativa em face das mudanças climáticas. Como erradicar a fome em nome da segurança alimentar? Por que o socorro aos bancos não demorou tanto, enquanto vidas humanas estão sendo sacrificadas e dizimadas pela fome? 
Vale ressaltar que “apesar de todos os avanços tecnológicos, quase um quarto da humanidade continua a experiência de insegurança alimentar. Entre suas vítimas, muitos são os agricultores, mulheres e crianças.” No limiar do novo milênio, mais de 180 chefes de Estados e de governo assinaram a Declaração do Milênio, comprometendo-se perante a comunidade internacional em respeitar e cumprir as metas do Milênio, ou seja, os oito objetivos, entre os quais, a luta contra a fome, e a pobreza, as doenças (HIV, malária e outras endêmicas), o analfabetismo, a degradação do meio ambiente e a discriminação contra as mulheres. De modo geral, trata-se de reduzir a pobreza extrema e a fome, assegurar uma educação básica para todos, promover a igualdade de sexo (questão de gênero) e a autonomização da mulher, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde da mulher (questão da maternidade), combater o vírus HIV/sida, malária e outras doenças, assegurar o desenvolvimento sustentável cuidando do meio ambiente, desenvolver uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Percebe-se que o primeiro objetivo do milênio faz parte das prioridades da FAO, ou seja, erradicar a fome, sobretudo nos países em desenvolvimento onde são constatados alguns progressos, mais ainda falta muito. Qual é, então, o papel da FAO?

Com efeito, como mencionado nas linhas anteriores no tocante ao objetivo n. 01, a FAO contribui no combate à pobreza extrema e na redução da fome, bem como no objetivo 07, procurando assegurar o desenvolvimento sustentável. Ademais, ainda que sejam mínimos, os recursos são destinados à autonomização das mulheres (obejtivo 03) e à parceria mundial para o desenvolvimento em um sistema de intercâmbios multilaterais justos fundado em regras (objetivo 08). Contrastando com o progresso tecnológico e científico, com a ganância e a riqueza de uma minoria de ricos, nota-se, com perplexidade, que 1,02 bilhão de seres humanos é vitima de subalimentação crônica, ou seja, um número superior às populações reunidas dos Estados Unidos, do Canadá e da União Européia. E o número de pessoas subnutridas havia aumentado significativamente, passando de 75 milhões em 2007, 40 milhões em 2008, essencialmente devido ao aumento dos preços dos alimentos, e hoje um bilhão de habitantes de países em desenvolvimento passa fome, 65% das pessoas cronicamente subnutridas são mulheres e 25.000 pessoas (adultas e crianças) morrem de fome por dia e de outras causas afins. (Fonte: FAO) Enquanto a cada seis segundos uma criança morre de fome no mundo, os Estados Unidos gastam um milhão de dólar por ano para sustentar um soldado americano em guerra no Iraque ou no Afeganistão. Imagine quantos soldados estão nesses dois países e façam os cálculos, sem contar com todo o armamento pesado, todos os aviões e navios de guerra engajados em uma batalha quase perdida e sem mais sentido.

Justamente por isso que a Cúpula de Roma desperta bastante interesse da parte dos países em desenvolvimento por ser uma plataforma neutra onde os Estados regidos pelo principio de igualdade para negociar acordos e debater as políticas procuram traçar metas para erradicar a fome. A FAO é também fonte de saber e informações. Ela ajuda os Estados em desenvolvimento e os Estados em transição a modernizar e. a melhorar as práticas de agricultura, silvicultura e pesca, e garantir uma boa nutrição para todos. Desde a sua criação em 1945, ela tem dedicado especial atenção ao desenvolvimento das zonas rurais, onde vivem 70 por cento dos pobres e famintos do mundo. (Fonte FAO). O que fazer diante desse quadro triste? Devemos cruzar os braços, esperando o maná que virá do céu ou do ocidente?

Precisa-se de uma conscientização de que a situação atual da fome, pobreza extrema, da mulher e criança e do desenvolvimento sustentável é séria. Além da FAO cujo mandato é alcançar a segurança alimentar para todos, zelando para que todos os seres humanos tenham uma alimentação de qualidade que possa ajudá-las a levar uma vida digna, sã e ativa, nossos Estados em desenvolvimento devem ter políticas concretas de combate à fome, à pobreza, bem como programas de desenvolvimento sustentável, apoiados em meios de subsistência baseados nos princípios de gestão de ecosistema.

Por fim, vale ressaltar a necessidade da solidariedade planetária para que os países ricos parem de explorar os recursos naturais dos países pobres por intermédio das multinacionais e se empenhem a erradicar a pobreza, investindo em diferentes setores para gerenciar empregos, respeitando e preservando o meio ambiente, e, ao mesmo tempo, colaborando para a diminuição do efeito estufa.

Parafraseando o Presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, a situação da fome é uma "vergonha por razões morais”, porque segundo ele, " como é possível que no século XXI, depois de viajar para a lua, não somos capazes de alimentar a população da Terra? Para o Papa Bento XVI, "a fome é o mais cruel e concreto sinal da pobreza", pois, "não é possível continuar a aceitar a opulência e o desperdício quando a tragédia da fome tem tomado dimensões cada vez maiores." Está na hora de cada um de nós fazer alguma coisa para combater a fome, a pobreza extrema e eliminar as desigualdades sociais, bem como a indiferença das grandes potências que esvaziaram a Cúpula de Roma, boicotando o que seria uma oportunidade para tomar medidas concretas contra a fome nos países pobres onde eles exploram os recursos naturais que alimentam suas indústrias e, conseqüentemente, seu desenvolvimento e lucro em detrimento dos famintos do terceiro-mundo. Francamente, eles se esqueceram de nós. Que vergonha!

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