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Deixem as Vuvuzelas em paz

Por Sebastien Kiwonghi

 

Comprem Vuvu-stop e a vida continua

 

Em uma de suas edições de junho de 2010, no artigo intitulado “as Vuvuzelas (trombetas) da discórdia”, a Revista “Jeune Afrique on line “ destacou a polêmica acerca das “trombetas”made in South Africa na atual Copa do Mundo. Inimaginável que um simples instrumento “inocente”, um feitiço para animar os jogos pudesse se tornar um caso da FIFA, correndo o perigo de ser proibido nos estádios sul-africanos.

Com efeito, as famosas trombetas se tornaram instrumentos de discórdia e foram objeto de deliberação pelo comitê organizador da FIFA sobre o seu uso ou não nos jogos da Copa do Mundo. Sem dúvida, nas outras copas do mundo ocorreram também cenas de alegria, e até de violências com os famosos “hooligans” ingleses, mas ninguém se importava com aqueles malvados baderneiros fichados e bem conhecidos pela violência nos estádios europeus.

Não obstante o barulho produzido por vuvuzelas passar dos decibéis permitidos, vale reconhecer que os torcedores africanos têm usado as mesmas para manifestar a sua alegria e comemorar um evento tão grandioso em seu continente que nenhuma outra simbologia seria capaz de revelar metafisicamente o significado e o significante. Não se trata de um jogo de tênis para proibir o uso do notável instrumento, mas do futebol onde os povos fazem a festa, celebrando a solidariedade, a fraternidade, a união e o advento de uma paz universal duradoura entre as nações, favorecendo o desenvolvimento das relações amistosas entre as nações e gerações vindouras.

Objetiva destacar também o paradoxo cultural entre os ocidentais e os povos africanos e asiáticos. Contrasta a alegria africana com a frieza européia. Por isso, falar em “botar” ordem, proibindo as vuvuzelas seria um ato de desrespeito à (s) cultura (s)africana (s),de modo geral, e as culturas sul-africanas, em particular, um ato de desprezo e de ignorância quanto à simbolização e à linguagem que são importantíssimas nas comunidades africanas onde a comunicação oral entre membros de um mesmo povo tem primazia de cumplicidade.

Pode-se falar em choque de civilização que aparece no processo integratório da Copa do Mundo diante do despertar da identidade do outro e da sua cultura, bem como da realidade do fenômeno da globalização. Ir ao encontro do outro exige às vezes uma abnegação sem aniquilamento nem renúncia de suas origens, mas um processo de despojar-se daquilo que divide, que provoca indiferença para desenvolver uma cultura altruísta e não individualista, menos ainda hedonista. A descoberta da “cultura do barulho”, cultura do bom humor baseada na alegria, na solidariedade que sabem transmitir, ao soprar num instrumento barulhento em todo estádio como um todo universal , as energias positivas que brotam do próprio sopro da vida. Numa simbiose infernal para os ouvidos pode-se descobrir a alma de um povo que sabe celebrar tanto a vida como a morte porque tudo tem sentido e em tudo paira o sopro vital e em tudo se vê a mão do criador.

É de se perguntar se haveria necessidade de impor a cultura do silencio que sempre caracterizou a vida monástica européia aos povos africanos. Ou ainda , pode-se olhar para o lado econômico, uma vez que as vuvuzelas são “made in South Africa”e não foram produzidas por uma fabrica européia. Em questões comerciais, a África vive uma relação de dependência crônica da Europa e dos Estados Unidos. Neste caso, daria bem para entender o sucesso comercial das vuvuzelas que não agradariam as empresas européias que sempre tiveram o monopólio de brinquedos até o advento da China com os brinquedos de R$ 1,99, quebrando, deste modo, toda a hegemonia econômica européia no continente africano e na América Latina. Será que os jornalistas e jogadores europeus têm visto nas vuvuzelas um sinal apocalíptico?

É incontestável que as vuvuzelas se tornaram famosos, e, por serem produtos autenticamente africanos, tal sucesso irrita os fabricantes que teriam faturado mais no mundial com outros instrumentos que superariam o sucesso de vuvuzelas.

Por isso, começou-se a venda de vuvu-stop para tampar os ouvidos sob pretexto de reduzir de 120 a 30 decíbeis o barulho enlouquecedor da torcida sul africano. Mais uma vez, de vuvuzelas a vuvu-stop passa-se à cultura capitalista de lucrar com qualquer coisa nesta Copa. É nas aeronaves transatlânticas que ocorre a distribuição de “tampas-ouvidos”, mas agora são também vendidos ao público para tampar os ouvidos contra o barulho de vuvuzelas.

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