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Bamako toca em uma profunda questão no que diz respeito aos poderes da ficção e sua relação com o mundo. Grande parte dos filmes engajados trabalha freqüentemente na chave da reação (no sentido nietzschiano do termo), da denúncia das injustiças, na reconstituição de acontecimentos, em toda uma estrutura que geralmente denota a falência da ficção em prol de um verismo desanimador. Nada disso em Abderrahmane Sissako, nada disso em Bamako: vemos aqui uma verdadeira prova de resistência, de confiança nos poderes da ficção não só para chamar a atenção daquilo que impede de viver (a fome, a pobreza, a privatização, a impotência diante dos efeitos da globalização nos países pobres), mas principalmente na vida que existe e persiste ao largo de tudo isso, na beleza de um sorriso ou de um canto que brota mesmo na penúria. Essa vitória funciona tanto no poder da ficção em relação aos problemas do mundo quanto no poder da vida em relação aos poderes que acossam e oprimem o povo africano. Ao fazer um somatório das mazelas que assolam os países da África, Bamako consegue inverter a lógica do tabuleiro e nos dá um verdadeiro testemunho sobre aqueles que teimam em insistir vivendo. Essa operação de subversão é algo que apenas muito poucos conseguem realizar.

Bamako

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