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As mudanças constitucionais e a crise da democracia na África

Por Sebastien Kiwonghi

 

Em sua primeira viagem à África, do alto da tribuna do Parlamento de Gana, o Presidente Barack Obama, destacando os males causados pela permanência de ditadores no poder no continente africano, lembrou, na ocasião, de modo geral, aos povos africanos que eles detinham o poder de promover mudanças profundas para uma boa governança dos Estados africanos. “vocês têm o poder de exigir a responsabilidade de seus dirigentes, criar instituições para servir o povo. Vocês podem combater as doenças e os conflitos, sim, podem (...) Não se enganem, a história está do lado dos valentes africanos, e não daqueles que praticam golpes ou promovem mudanças nas constituições para permanecer no poder. A África não precisa de homens fortes, precisa de instituições fortes.”

Infelizmente, têm-se visto no continente africano, ondas de revoltas e manifestações, muitas vezes, sangrentas, devido às mudanças constitucionais e antidemocráticas realizadas por alguns ditadores que pretendem permanecer no poder com a cumplicidade de parlamentares e congressistas corruptos. Tal fato tem gerado protestos após as eleições presidenciais, como ocorreu recentemente no Gabão, no Guiné e no Togo. Percebe-se um verdadeiro desrespeito ao processo democrático iniciado nos anos 90 em todo o continente africano aproveitando-se das mudanças provocadas pelo desmembramento da URSS mediante a perestroika e glasnost.

Repara-se que a crise de democracia na África é fruto da herança colonial que modelou as sociedades modernas africanas oriundas do processo das lutas da autodeterminação dos povos em feudos dos intelectuais formados em ocidente. Estes fizeram dos Estados africanos independentes, em tese, a continuidade do poder tradicional alicerçada na nomeação nos lugares estratégicos do país de pessoas da mesma tribo ou do mesmo clã, consolidando-se, desta forma, o poder. Tal concepção do poder vai de simples porteiros das embaixadas aos altos funcionários estatais, sem falar das forças armadas cujos generais são nomeados conforme a pertença à etnia do chefe supremo das mesmas.

A soberania no contexto africano é uma questão mais polêmica e desafiadora a ser evocada porque traz à tona também o passado colonial e a divisão da África em Estados pelos colonizadores. Desafiadora porque da figura do monarca das instituições tradicionais passou-se à figura do presidente nos moldes dos Estados modernos, mas com as feridas da herança colonial, ao ponto de indagar, hoje em dia,se realmente os países africanos são soberanos? O que se entende para soberania no contexto atual da globalização em que estão também inseridos os países africanos?

O que se vê na África com a sucessão de golpes militares e a dança de cadeiras no comando de alguns Estados é um ressurgimento da velha época em que os dirigentes cativavam as massas com discursos ideológicos e demagógicos. As coisas mudaram e África deve trilhar outros caminhos para disputar o espaço que é dela no cenário mundial. Por essa razão, partindo das concepções histórico-jurídicas do poder e da organização do Estado democrático, faz-se imperioso analisar os acontecimentos tanto em Togo como em RDC sob a ótica da importância do Estado democrático para assentar a democracia, soberania e princípios de direito uma África dilacerada pelos conflitos, violência e violações de direitos humanos.

Ronald DWORKIN já chamava a atenção ao abordar a questão dos casos constitucionais que “a constituição é a fonte fundamental e imperativa do direito constitucional”. Por isso, o reconhecimento do Estado democrático do direito implica ipso facto o reconhecimento da força normativa da constituição e, ao mesmo tempo, da institucionalização dos valores e princípios contidos em seu bojo e que são expressão da soberania de um povo historicamente definido.

O despreparo dos militares nos assuntos do governo e a proliferação de milícias privadas dos chefes de guerra como conseqüência imediata da desintegração das forças armadas é apenas o iceberg de uma série de problemas que desafiam o continente africano rumo à formação de Estados verdadeiramente democráticos.

Sem embargo, o problema é complexo e merece aprofundar a discussão. No entanto, não se pode olvidar que a África é vítima, de um lado das armadilhas da globalização e da cultura liberal e capitalista, e do outro, das rivalidades de seus dirigentes imaturos politicamente, mas gananciosos e corruptos economicamente a ponto de vender seus respectivos países às multi e transnacionais que exploram as riquezas em troca de alguns dólares, sem se importar com as misérias dos povos.

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