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Por Sebastien Kiwonghi

 

As manifestações no Mundo Árabe despertaram a consciência de muitos dirigentes sobre a necessidade de mudar os regimes ditatoriais e sanguinários que se eternizam no poder há décadas. Sabe-se, no entanto, que tais regimes se tornaram poderosos e irremovíveis devido à cumplicidade do ocidente preocupado com a preservação de seus interesses econômicos nos países governados pelos “tiranos”.

Em 19 de março de 2011, dois dias depois de O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) ter autorizado o uso da força pela Resolução 1973 para “proteger a população civil”, a Líbia foi atacada pelas forças de uma coalizão moralizadora, procurando, na realidade capturar ou matar um antigo desafeto, Muammar Kadhafi. Em tempos menos remotos, na época da guerra no Iraque, os mesmos Estados, alegaram o mesmo motivo para atacar Saddham Hussein que, segundo o ocidente, detinha armas de destruição em massa, suscetíveis de aniquilar todos os curdos e outras populações minoritárias. Viu-se depois que tudo era mentira e que as acusações não passavam de pretextos para derrubar um regime que incomodava por ser detentor de grandes poços de petróleo.

O que se pretende nesse artigo é levar o leitor ao entendimento do direito de ingerência usado pelas grandes potências para atacar alguns Estados fracos, mas detentores do petróleo, arquitetando planos de intervenção militar com base nas mentiras estratégicas perante a opinião mundial como se fossem argumentos sólidos e válidos para justificar os ataques contra aqueles Estados por razões humanitárias. Ingerência humanitária ou ingerência política?

Para que se obtenha a adesão dos outros Estados, no caso do Iraque e da Líbia, os países ocidentais recorreram à ONU através do Conselho de Segurança do qual, os Estados Unidos, França e Grã Bretanha fazem parte e da Liga dos países árabes para efetivar o plano de derrubar Kadhafi, desafeto incontestável desde a bipolarização do mundo e da guerra fria, períodos em que era visto como comunista e financiador do terrorismo internacional.

Deve-se considerar, nesse caso, o apoio que Kadhafi dava os dirigentes dos movimentos contrários ao capitalismo e ao imperialismo ocidental, dando sentido, para tanto ao principio de autodeterminação dos povos propensos à liberdade e à libertação do jugo colonial.

O apelo do senador americano John McCain em sua visita à Benghazi, sede da oposição líbia, para que a comunidade internacional reconhecesse o Conselho Nacional de Transição (CNT) na Líbia e lhe fornecesse armas para derrubar Kadhafi, demonstra a arrogância dos republicanos e da política do governo americano, de modo geral, que gostam de semear a morte nos países fracos, mas ricos em recursos naturais que interessam a indústria bélica ocidental. Na ocasião, McCain convidou os países da Aliança Atlântica Norte (OTAN) a intensificar os bombardeios contra as tropas do Kadhafi e edifícios oficiais. “Encorajo todos os países, incluindo os Estados Unidos, a reconhecer o Conselho Nacional de Transição, como a voz legitima do povo líbio. Ele ganhou esse direito.”

Vale observar que se trata de um senador republicano, rival do Obama na corrida presidencial de 2008, e que tenta recuperar o prestígio no cenário internacional, tendo em vista as próximas eleições presidenciais americanas. Nota-se a falta do conhecimento da situação real na Líbia. O CNT não recebeu o tal direito de legitimidade do povo líbio que é composto por várias tribos, inclusive a do Kadhafi. A mentira do ocidente sobre a situação na Líbia repetida mil vezes na mídia internacional se torna verdade a ser engolida pelo resto da humanidade. É o que se vive atualmente na Líbia. O CNT tenta derrubar Kadhafi com o apoio da OTAN (27 Estados da União Européia + os Estados Unidos). É essa a comunidade internacional? Apenas Estados europeus e os Estados Unidos? Essa situação reducionista da comunidade internacional dá direito aos mesmos Estados supracitados a desrespeitar os princípios da Carta da ONU de não ingerência e de não intervenção nos assuntos internos dos outros Estados. Deve-se respeitar a independência política de cada um e o princípio da intangibilidade ou inviolabilidade das fronteiras. O que é deprimente é o silencio dos outros Estados, da União Africana diante de uma agressão baseada na mentira para destruir um país soberano. Mexendo o que estava quieto, o ocidente vai levar a destruição, a fome e o desemprego como fizeram os aliados no Iraque e no Afeganistão. Com a intervenção da coalizão, as divisões tribais reapareceram no Iraque e os cristãos protegidos no tempo do Saddam Hussein se tornaram alvo dos radicais muçulmanos (xiitas). Não será diferente da Líbia.

Tem-se tornado costume para que os Estados Unidos, a França e a Grã Bretanha desencadeiem uma guerra alegando proteção aos civis, mas é de se ver que aquele argumento jamais teve consistência na hora de reconstruir o (s) Estado (s) bombardeado (s).

A comunidade internacional grita contra os massacres de civis na Líbia, e, ao mesmo tempo, fecha os olhos sobre os massacres de centenas de civis na Síria, no Bahrein, no Iêmen e na Arábia Saudita.

Em apenas algumas horas de visita em Benghazi, o senador McCain chegou a elogiar os beligerantes líbios nesses termos: “Conheci os grandes lutadores. Não são pessoas da Al Qaeda. São patriotas da Líbia que precisam de armas e formação.” Trata-se de uma maneira de enganar a opinião americana preocupada com a presença de adeptos de Bin Laden para apoiar as manifestações na Líbia. O que seria paradoxal para quem combate os supostos terroristas de Al Qaeda.

Sem dúvida, a intervenção ocidental na Líbia esconde outros objetivos ao colocar um grupo de líbios de Benghazi contra outros de Sirte e de Tripoli. Por que o ditador da Síria, Bachar Al Hassad pode matar civis sem ocasionar nenhuma intervenção da OTAN, apenas Kadhafi que deve ser derrubado para proteger os civis líbios? A comunidade internacional deve aplicar, nesse caso, o princípio de “dois pesos, duas medidas”.

Convém ressaltar diante da “realpolitik” que não há petróleo na Síria como na Líbia e Iraque, e, ao mesmo tempo, na Síria as tropas dos aliados poderão sofrer derrotas com a intervenção do Irã para apoiar as tropas sírias com base nos acordos militares da segurança coletiva. Na Líbia, Kadhafi, estando isolado, tem lutado sozinho com alguns familiares contra o poderio militar da OTAN. Assim, fica bem claro que os aliados não se arriscariam na Síria até derrubar Kadhafi.

Diante disso, surge a nossa indignação de apontar uma das mais graves injustiças existentes na política internacional guiada pela visão maquiavélica do ocidente, que é o direito de ingerência nos assuntos internos por razões falsamente humanitárias que se dão as grandes potências para descartar dirigentes que se tornaram obstáculos a seus interesses econômicos e seu projeto hegemônico permanente e “ad eternum”.

A Revolução da Primavera e o direito de ingerência: o convite de McCain na Líbia

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