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A crise alimentar no Chifre da África e a indignação ética

Por Sebastien Kiwonghi

 

A partir do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), pode-se ler no Preâmbulo que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. 

Percebe-se que a busca de uma paz duradoura está umbilicalmente ligada ao princípio clássico de direitos humanos: a dignidade humana. O que demonstra a importância de proteger e defender os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Por isso, razão assiste de criar condições adequadas que permitam a cada individuo, independentemente da raça, etnia, sexo, opção sexual, gênero, cultura e línguas, de gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos econômicos, sociais e culturais. 

Considerando o caráter sagrado do ser humano, convém abordar a questão da crise alimentar no Chifre da África como crime contra a humanidade pela inércia da comunidade internacional e uma crise ética diante da mobilização dos Estados membros da União Européia, dos Estados Unidos e dos bancos, representados pelas Instituições de Breton Woods (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional) para salvar da falência a economia da Grécia, concedendo-lhe bilhões de dólares, enquanto as populações no Chifre da África morrem de fome e sede, deixadas à própria sorte devido à pior seca de sua história. Trata-se de uma situação excepcional que ameaça a própria espécie humana e que, indubitavelmente, exige medidas urgentes a curto e longo prazo para salvar milhões de vidas. 

Em virtude desse direito à vida, toda a pessoa vitima da seca no Chifre da África deve ser imediatamente socorrida , pois, acredita-se que qualquer indivíduo tem deveres para com seus semelhantes e para com a coletividade a que pertence, tendo, consequentemente, a obrigação de lutar pela promoção da vida e demais direitos inerentes à dignidade humana. 

Hodiernamente, disso decorre o direito a alimento e assistência coletiva, considerando a crise alimentar cujas causas se encontram tanto na natureza como nas ações humanas tais quais as guerras absurdas e desastrosas para as populações mais pobres do planeta. No caso da Somália, acrescenta-se a intolerância da milícia islâmica El Shabab. 

Deve-se entender de forma clara que a fome no Chifre da África pode ser combatida e erradicada com um pouco de vontade política dos Estados mais ricos e mais industrializados. A dependência total do ocidente é algo construído culturalmente para manter a hegemonia ocidental sobre as populações pobres mediante a criação de Organizações Não Governamentais. Observa-se que, desde a promulgação da Carta do Milênio baseada nos 08 objetivos (ODM) até o presente momento, nada foi feito para erradicar a pobreza extrema e a fome no mundo. Conta-se atualmente mais de 1 bilhão de pessoas passando fome, mais de 150 milhões de crianças subnutridas e mais de 25.000 morrendo por dia. Não precisa ser um especialista em economia para entender melhor tal falta de vontade política das grandes potências para combater a fome, a pobreza e a miséria no mundo. 
A mobilização dos países da zona Euro para salvar, economicamente, a Grécia suscita uma indignação ética. O que se tornou alívio para o governo grego pelo plano de resgate em poucos dias de negociações é visto como um pesadelo para milhões de pessoas no Chifre da África que aguardam a mesma mobilização da União Européia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional para combater a fome e a seca, uma vez que, no ano passado, as mesmas instituições haviam conseguido o primeiro plano de resgate de 110 bilhões de euros para espantar o fantasma da falência da economia grega. 

É hora de tecer algumas considerações, pois, estando na era da aposentadoria das naves espaciais, apesar de o ser humano ter ampliado a visão da nossa galáxia, inaugurando uma era de sucesso e de vitoria da tecnologia e da inteligência humana, força é de constatar que ainda, no âmbito social, falta a vontade de combater com a ultima energia, a fome, a pobreza e a miséria. Foram 30 anos de sucesso com o lançamento dos ônibus espaciais. Importante frisar que, apesar desses avanços tecnológicos e da evolução da ciência, a fome no Chifre da África nunca foi o centro das preocupações da comunidade internacional. O medo do colapso financeiro dos bancos da Grécia mobilizou além de bilhões de euros, mais Estados e Instituições financeiras do que a seca e a fome no Chifre da África que precisa de menos de um terço do valor concedido ao governo grego. São milhões de vida em perigo que mal conseguem mobilizar e comover a comunidade internacional. Alta foi a moral para salvar a economia da Grécia, sujeita à falência, contudo, faltou a ética para salvar as vidas na Etiópia, Somália, Djibuti, Eritréia e uma parte do Quênia. 

Cumpre, então, destacar que a dignidade do ser humana deve ser um comando das ações de todos Estados signatários da Carta da ONU, pois, é absurdo observar que os empréstimos bilionários aos bancos e banqueiros são votados em tempo hábil para salvar as economias predatórias com relação ao clamor internacional sobre o respeito aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais das populações já sofridas do Chifre da África e, de modo extensivo, do continente africano. Como falar em sucesso na era das naves espaciais, se o mesmo ser humano, durante esses anos, mal conseguiu erradicar a fome e a pobreza extrema da face da terra, ceifando milhões de vida, enquanto se buscava a existência de outras vidas em outras galáxias, gastando trilhões de dólares?

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