top of page

A Copa do Mundo na África: entre o reconhecimento e a ignorância do "importante"

Por Sebastien Kiwonghi

 

A opinião da maioria das pessoas no tocante à evolução do continente africano é relativamente pessimista com tendência para o fatalismo porque a mídia tanto nacional como estrangeira só sabe veicular reportagens e imagens de um continente visto sob á ótica de uma economia decadente que gera a fome, o desemprego, a pobreza extrema e as doenças endêmicas tais quais o vírus HIV/sida e a malaria. Trata-se de uma visão apocalíptica baseada na política e na economia.

Ora, a organização da Copa do Mundo na África do Sul vem mostrando ao mundo uma África diferente dos filmes do “Tarzan”, bela, rica em culturas, diversidades em seus ecossistemas e com uma economia que tem alcançado bons e frutuosos resultados apesar da crise econômica mundial. Não se pode rotular a África nas questões que se referem à alimentação, às guerras e doenças, menos ainda mostrar otimismo quando se fala da cultura, do esporte ou da melhoria das infra-estruturas.

É hora de analisar os problemas vividos pelo continente sob os vertentes geopolítica e geoestratégica por ter sido, ao longo dos séculos, palco de interesses ocidentais. Os furtos e assaltos isolados ocorridos na África do Sul foram violentamente criticados por alguns jornais estrangeiros, classificando a África do Sul como um dos países mais violentos do mundo. Parece que tudo é maravilha nos Estados Unidos (onde ocorre freqüentemente chacina ), na Grã Bretanha (onde Jean Charles foi assassinado friamente pela policia) e na França (que vive tensões sociais com as famílias dos imigrantes e dos “sans -papiers”).

Além da Copa do Mundo, dois grandes eventos marcaram a primeira semana do mês de junho que, infelizmente, foram ignorados pela imprensa sensacionalista a fim de manter o pessimismo sobre o continente, mostrando apenas imagens sobre as savanas da África do Sul e alguns passeios em Soweto e outras cidades marcadas pelo regime de apartheid, crime contra a humanidade, mantido há década pelos governos ocidentais até o advento da eleição do Nelson Mandela (taxado de comunista pelas mesmas potências) para mudar o panorama do país e reforçar a construção e reconstrução do mosaico sul-africano.

Há de lembrar que, enquanto a mídia se preocupava com a Copa do Mundo, de 08 a 09 de junho acontecia a votação e adoção da Declaração de Ndjamena (Chad) para fortalecer os órgãos jurisdicionais nacionais para lutar contra o fenômeno das “crianças-soldados” no continente africano. Os participantes refletiam sobre os meios para pôr fim ao recrutamento e utilização de crianças soldados nos conflitos e lutas armadas, estudavam também as possibilidades de fortalecer a paz e a segurança, bem como promover a estabilidade e o desenvolvimento na África Central.

Consoante ao tema tratado, vale lembrar que das 300.000 crianças-soldados usadas no mundo, 100.000 estão na África, e dessas, 30.000 estão na República Democrática do Congo (RDC), segundo a ONU. Tais números assustadores levaram os participantes a exigir que o recrutamento e uso das crianças-soldados sejam considerados crimes puníveis pelo Procurador perante o Tribunal Penal Internacional. Além disso, deve-se reforçar as jurisdições nacionais a fim de combater a impunidade, uma vez iniciado o primeiro processo em território nacional. Constata-se também a necessidade de criar mecanismos de prevenção, promovendo a educação no tocante aos Direitos Humanos.

Outro grande evento sobre o Continente africano se refere à Conferência organizada em Kampala (Uganda), de 30 de maio a 11 de junho, sobre a Revisão do Estatuto de Roma, especialmente, no que se refere aos “crimes de agressão”. Durante duas semanas, os participantes não chegaram a um acordo sobre a instituição competente para exercer a jurisdição sobre os crimes de agressão, destacando-se duas posições diametralmente opostas. A primeira mantida pelas grandes potências, endossada pela França, segundo a qual, caberia unicamente ao Conselho de Segurança reconhecer o ato de agressão e pedir, se for necessário, ao Procurador do TPI, abrir inquérito a respeito.

Procurar-se-ia- proteger a Carta das Nações Unidas, positivando a relação entre o Conselho de Segurança e o TPI. Evidentemente, tal posição suscetível de politizar as decisões do Conselho de Segurança no tocante à agressão, não agradou aos delegados da maioria dos países africanos, sobretudo, os da África subsaariana. Para esse segundo grupo, o TPI deve ser independente, sem influência política das grandes potências que procuram perpetuar a impunidade. Nesse caso, caberia apenas à Câmara Preliminar autorizar o procurador do TPI abrir inquérito sobre o crime de agressão e não cabe ao Conselho de Segurança tal prerrogativa jurisdicional.

É também o nosso entendimento, olhando para os dramas vividos pelos próprios países africanos agredidos pelas grandes potências que armam milícias a fim de explorar em toda impunidade os recursos naturais dos “já condenados” para a miséria, porém donos de grandes poços de petróleo, de diamante e ouro. O que dizer da situação nos territórios palestinos ocupados pelas tropas de Israel? São crimes de agressão encobertados pelos membros do Conselho de Segurança, aliados de Israel.

É lamentável o silêncio da mídia sobre a Declaração de Ndjamena e sobre a Revisão do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, notícias fundamentais para a humanidade, mas ignoradas devido à organização milionária da Copa do mundo onde desfilam as grandes multinacionais capitalistas do universo violentado e desprezado na pessoa dos africanos e demais pobres esquecidos.

bottom of page